Viver o território com autonomia, não sob tutela
Por Aurélio Vidal
Nas minhas andanças de décadas pelo Sertão norte-mineiro — entre veredas, gerais, comunidades geraizeiras, sertanejas e caiçaras — aprendi que o turismo do futuro não se mede em números, planilhas ou discursos prontos. Ele se mede na profundidade dos encontros, no respeito ao território e, sobretudo, na autonomia de quem vive nele.
Um imersão no Velho Chico – Matias Cardoso foi o palco
O verdadeiro turismo de experiência é aquele que permite ao visitante viver o lugar, sentir seus ritmos, ouvir suas histórias e compreender seus modos de vida. Mas, para que isso aconteça de forma justa, é preciso que o povo do Sertão aprenda, antes de tudo, a se valorizar. A reconhecer sua própria força, seu conhecimento e seu direito de decidir os rumos do seu território.
Uma prosa com um valorosos sertanejo – zona Rural de Bocaiuva
Valorizar a culinária típica, o artesanato e as festas religiosas não é folclore nem vitrine para agradar olhares externos. É reconhecer a alma do lugar. Quando alguém prova um prato feito com frutos do Cerrado, acompanha o trabalho de um artesão ou participa de uma celebração popular, passa a enxergar o Sertão não como cenário exótico, mas como território vivo, produtivo e digno.
No entanto, também aprendi, caminhando e ouvindo, que existe uma armadilha perigosa nesse processo. Dentro do contexto do extrativismo e das comunidades tradicionais, muitas vezes surgem grupos que se apresentam como defensores do meio ambiente e da cultura, mas que, na prática, mantêm o povo sob dependência, tutela e miséria. Usam discursos ideológicos prontos, transformam o sertanejo em figurante e colocam cabresto onde deveria haver autonomia.
Isso não é preservação. Isso é farsa.
Preservar não é impedir o povo de produzir, crescer e decidir. Cultura não é aprisionar ninguém ao passado. O verdadeiro desenvolvimento sustentável nasce quando o geraizeiro, o sertanejo, o caiçara deixam de ser objeto de discurso e passam a ser sujeitos do processo.
Comunidade de Serra Nova – Rio Pardo de Minas
Rotas como a do Mel, a do Pequi e as vivências ligadas ao agroextrativismo mostram que outro caminho é possível. Quando bem conduzidas, essas experiências geram renda direta para as famílias, fortalecem a economia local e reafirmam a cultura como ativo real de desenvolvimento — não como bandeira usada por terceiros.
Turismo de base comunitária só faz sentido quando é feito com o povo, pelo povo e para o povo. Quando liberta, e não quando submete. Quando fortalece a autonomia, e não quando a substitui por dependência travestida de proteção.
Zona rural de Bocaiuva
Viver o território, portanto, é mais do que visitá-lo. É respeitá-lo. E, acima de tudo, é permitir que quem sempre viveu nele seja dono do próprio destino.




