(*) Aurélio Vidal
Todos os anos, entre os dias 17 a 26 de julho, feriado municipal, acontece as festividades de Senhora Sant’Ana em Serra Branca, distrito da cidade de Porteirinha. Esse grandioso evento que tivemos a oportunidade de presenciar, esteve interrompido por dois anos devido à pandemia do covid-19. Em 2022, entretanto, e com a pandemia debelada, o evento ressurgiu com o tema: “Trezentos anos de fé e devoção”, fazendo alusão aos 300 anos da realização dos festejos.
A partir de levantamentos históricos, a devoção à Sant’Ana se deu através de uma senhora chamada Ana, conhecida por todos como “Donana”, que veio de Portugal para o Brasil ainda no período colonial (1500-1822), por volta do século XVIII. Ana morava na Bahia, mas após a morte do marido, reuniu a família e mudou para o norte de Minas, se estabelecendo na planície do rio Serra Branca, próximo à Porteirinha. Naquela época, Ana adoeceu e fez uma promessa à Senhora Sant’Ana que se alcançasse a graça da cura, construiria a capela para que se venerasse a santa.
Entre os habitantes da região, muitas são as histórias transmitidas de geração em geração sobre a senhora abastada, proprietária de muitos escravos e posse de terras infindas. Curada em 1722, Ana mandou levantar em seus domínios uma capela de pedra e cal em honra à santa.
Foi quase que por um acaso que testemunhei parte do último dia das festividades deste ano de 2023. Confesso que fiquei impressionado com maravilhosa devoção!
Conta-se que a antiga igreja havia sido construída em 1722, data esta gravada na madeira do frontispício do altar da antiga capela de pedra. Em 1976, a igreja, infelizmente, foi demolida e uma nova construída no mesmo local. Essa seria a única igreja da região, onde no rústico altar, a santa teria sido entronizada.
Ainda fiquei sabendo que além de construir a igreja, Donana doou uma grande quantidade de terras à Sant’Ana, terras que se estendiam de Serra Branca até aos arredores de Porteirinha. Ao longo do tempo, muitos se apossaram delas, mas ainda hoje encontra-se referência à elas nos documentos mais antigos do Cartório de Registro de Imóveis de Porteirinha.
Segundo o Dicionário Geográfico, Histórico e Descritivo do Império do Brasil (1822-1889), originalmente publicado em 1845 pelo militar francês Milliet de Saint-Adolphe, o verbete “Gorutuba” é traduzido assim: “uma capela de invocação de Sant’Ana, na fazenda chamada Serra Branca, foi a largo tempo a única igreja que havia no vasto território que pertencia à freguesia de Morrinhos. Aqueles moradores que residiam mais distantes dela erigiram sucessivamente a Igreja de São José do Pilar e de Santo Antônio. A Igreja de São José, por ser a mais central, recebeu o titulo de paróquia por um decreto imperial de 14 de julho de 1832, ficando as mais distantes dela como filiais.”
Apesar de não ser mencionada nos Evangelhos, Sant’Ana, mulher nazarena, pela tradição da Igreja Católica seria a mãe da Virgem Maria e, portanto, avó materna de Jesus Cristo. Em uma bula de 1584, o papa Gregório XIII instituiu que a festa seria comemorada no dia 26 de julho, mês que passou a ser denominado mês de Sant’Ana. Venerada como padroeira das mulheres casadas, especialmente das grávidas, cujos partos tornam-se rápidos e bem-sucedidos. Sant’Ana é também protetora das viúvas, dos navegantes e marceneiros.
Serra Branca é uma das poucas comunidades que ainda preserva as tradições das músicas cantadas durante os cortejos fúnebres. O local ainda serviu de inspiração para páginas do romance de João Guimarães Rosa, “Grande Sertão: Veredas”, e ficou conhecida nacionalmente depois de ser cenário das gravações da minissérie global que recebeu o nome e a história do livro na década de 1980.
A festividade que ganhou fama, prestigio, e se tornou uma das mais importantes manifestações religiosas e culturais do norte de Minas, tem um grande pico de fiéis nos dias 25 e 26 de julho. No dia 25, à noite, é celebrada uma grande missa campal em homenagem ao dia do trabalhador rural, além do levantamento da bandeira. Já no dia 26, a programação se inicia desde as primeiras horas e se estende por todo dia.
O evento recebe visitantes de todos os municípios da Serra Geral e milhares de turistas de diversas regiões do país, como a Dona Ana Maria Silveira que percorre mais de 1.200 km para participar dessa linda festa religiosa e cultural do povo norte mineiro: “Venho de longe, de Itaquera, na capital de São Paulo, só para participar do evento de devoção à Sant’Ana”. Em outros tempos, eram realizados casamentos e batizados coletivos. Os noivos viajavam longas distâncias em carro de boi, carroças, charretes e até mesmo a cavalo. A “Casa da Festa” recebe todas as famílias, e serve como ponto de apoio. Já na comunidade, as ruas ficam plenamente ocupadas por pessoas, são montadas dezenas de barraquinhas, durante os dias de festa. Serra Branca é uma das comunidades mais antigas de Porteirinha, e ponto de encontro e início da fé.
Serra Branca é patrimônio dos porteirinhenses e de todo o povo do norte de Minas Gerais.