Por Aurélio Vidal
“Na comunidade de Roça do Mato, em Montezuma, encontrei seu Valdecir – sertanejo de saberes profundos, guardião do Cerrado e de suas riquezas. A missão era me conduzir até o maior pé de pequi do mundo, mas o que recebi foi muito mais: uma verdadeira aula sobre os frutos do nosso sertão. Uma experiência única e inesquecível.”
Nas minhas andanças pelo sertão, descobri que o Cerrado guarda muito mais do que paisagens áridas e o silêncio das chapadas. Ele é, antes de tudo, uma farmácia viva. Para a anemia, para a fraqueza sexual, para as cólicas e a prisão de ventre; para vermes, inflamações no estômago e no intestino; para dores de garganta e de cabeça; para micose, fadiga e até para a picada de cobra e escorpião – no Cerrado sempre há um suco, um chá, uma infusão, uma pomada, um óleo ou uma farinha.
Esses saberes não estão nos livros médicos, mas sim nas mãos calejadas de nossas tradicionais benzedeiras, no conhecimento passado de mãe para filha e, entre os sertanejos que aprenderam a ouvir a natureza. Enquanto em muitos países o patrimônio genético natural é valorizado, aqui, tantas vezes, o conhecimento popular é tratado como ingênuo, romântico, sem valor científico. É triste, porque ele é profundo e carrega séculos de experiência. Conheça um pouco sobre 3 vegetações, elas são importantes remédios e estão presentes no nosso ceraddo.
Arnica – O remédio do campo
No sertão, poucos nomes soam tão familiares quanto o da arnica. Conhecida também como arnica-do-cerrado, arnica-mineira, arnica-brasileira, arnica-do-campo, candeia ou pau-de-candeia, ela é originária do gênero Lychnophora e cresce nos campos rupestres da Serra do Espinhaço, acima dos 800 metros de altitude.
Com até 3 metros de altura, de folhas finas e flores violáceas, essa planta é usada no tratamento de contusões, inchaços, inflamações, hematomas, traumatismos e varizes. É rica em flavonoides, friedelina, quercetina e lactonas sesquiterpênicas, atuando como anti-inflamatório, anestésico e cicatrizante.
Mas é preciso cautela: o uso interno é tóxico e pode comprometer o fígado. O sertanejo faz dela cataplasmas, compressas e pomadas. Dizem que um banho de arnica pode desmanchar até as dores mais persistentes.
Rufão – A erva das moitas
Poucos conhecem o rufão pelo nome científico, mas no campo ele é chamado de bacuparizão-do-campo, cascudo ou saputá-de-moita. O termo vem do tupi-guarani: “erva que dá fruto com casca enrugada”.
Presente do Pará a São Paulo, atravessando Goiás, Bahia, Minas e até o Paraguai, essa planta cresce em moitas de até 1,5 metro de altura. Suas flores pequenas, brancas e amareladas escondem segredos de cura.
O sertanejo prepara da raiz um chá ou garrafada para anemia, fraqueza sexual e inflamações do estômago e intestino. O óleo, de natureza quente, é usado em massagens contra cólicas, dores reumáticas e sequelas de derrame – mas há a recomendação: nunca se deve tomar friagem depois do uso. Misturado ao café, ainda serve como expectorante para tosse e gripe. Sua pomada, por sua vez, fecha feridas e renova a pele.
Barbatimão – O cicatrizante do povo
Já o barbatimão, de nome sonoro e respeitado, é usado no tratamento de feridas, gastrite, úlcera, corrimentos, coceiras e até no cuidado após a extração de dentes. É conhecido como um grande cicatrizante natural, embora deva ser evitado por gestantes e crianças.
Ao narrar essas descobertas, vejo que o Cerrado não é apenas um bioma, mas um livro aberto de sabedoria popular, uma farmácia que resiste ao esquecimento. O que mais me impressiona é a simplicidade com que o povo traduz em chás e rezas o que a ciência ainda hesita em valorizar.
Sim, o Cerrado guarda segredos – e cabe a nós reconhecê-los antes que se percam na poeira dos tempos.