Por Aurélio Vidal
Na última segunda-feira (22/09), estive em Vargem Grande do Rio Pardo, no norte de Minas Gerais, acompanhando uma audiência que escancarou uma das maiores dores do nosso povo sertanejo: as multas milionárias aplicadas pelo ICMBio contra pequenos produtores rurais. Além das autuações, a discussão também girou em torno da necessidade urgente de reduzir a área de amortecimento da chamada Reserva de Desenvolvimento Sustentável Nascentes Geraizeiras — uma medida considerada vital para a sobrevivência de dezenas de comunidades que vivem do pouco que a terra oferece.
O encontro aconteceu na unidade da EMATER e reuniu um número expressivo de moradores, lideranças comunitárias, representantes políticos e famílias inteiras aflitas com essa realidade que considero cruel e profundamente injusta.
Minha trajetória nesse tema não começou ontem. Desde 2022, quando tomei conhecimento dos primeiros casos de agricultores multados de forma arbitrária, tenho denunciado esse verdadeiro cerco contra homens e mulheres simples, que já enfrentam, diariamente, a seca, a falta de infraestrutura e o abandono histórico do Estado. Agora, como se não bastasse, carregam nas costas multas que, somadas, ultrapassam a casa de um milhão de reais.
Na foto: Dim, da comunidade Água Boa II (Rio Pardo de Minas), uma das muitas vítimas da opressão do ICMBio, ao lado de Francisco José (Chicão), voz firme e defensor incansável do povo sertanejo.
A reunião foi carregada de emoção. O sertanejo Francisco Barbosa Souza, de 70 anos, morador da comunidade da Fazenda Cabaça, em Montezuma, contou que foi surpreendido com uma multa de R$ 105 mil. Disse que perdeu a tranquilidade de viver e trabalhar, mergulhado em noites sem sono e dias de angústia.
Outro caso é o de Rena Amorim, que tenta reverter na Justiça uma multa de R$ 210 mil. Dos cinco hectares de pastagem que possuía, três estão praticamente comprometidos pela pressão do ICMBio.
Dona Marlene Pedro e o esposo, Sinval Ribeiro, moradores da comunidade Água Boa II, em Rio Pardo de Minas, disseram que perderam a paz no cultivo da terra. “A gente vive com medo. Não dá mais pra trabalhar sem pensar se a multa vai chegar amanhã”, desabafou a agricultora.
O sitiante Elcidio Pinheiro coutrinho conhecido como Véio, da comunidade Sítio Novo, em Vargem Grande, foi multado em R$ 64 mil. A revolta dele é compartilhada por muitos: “Nunca tivemos orientação nenhuma. O valor da multa é maior que o preço da terra onde a gente vive”.
História ainda mais dramática é a de João Ferreira de Oliveira, o João Duzentos, da comunidade Água Fria. Ele comprou sua terra em 1999, regularizou documentos, desmatou áreas com licença e plantou eucalipto e pastagem. Mesmo assim, em 2021, sete anos após a criação da reserva, foi autuado em mais de R$ 400 mil. “O terreno não vale isso. Minha família perdeu o rumo”, me disse, com os olhos marejados.
Agora, todas as esperanças estão depositadas na atuação da promotora Larissa Prado, que ouviu atentamente as pessoas afetadas pela opressão do ICMBio.
Também ouvi o relato de Dona Claudineia Fialho, tesoureira da Associação de Moradores do Brejo, em Vargem Grande, que resumiu a situação em uma frase dura e direta: “O povo tá preocupado e quer uma solução”.
O anfitrião, prefeito Gabriel, apresentou iniciativas ambientais que já vêm sendo desenvolvidas pelo município e foi elogiado pela promotora de Justiça, doutora Larissa Prado, que participou ativamente da audiência e ouviu cada depoimento com atenção.
O prefeito Gabriel apresentou projetos ambientais já implantados no município, elogiados pela promotora Larissa Prado.
Do lado do ICMBio, a representante Caroline, vinda de Brasília, esteve presente, mas preferiu uma fala cautelosa, limitando-se a ouvir os relatos e fazer alguns questionamentos.
É importante lembrar que a Reserva Nascentes Geraizeiras foi criada em 2014, por decreto da então presidenta Dilma Rousseff, em pleno ano eleitoral. Desde o início, o processo foi marcado por denúncias de inconsistências — inclusive a suposta manipulação de atas — já que, segundo os moradores, a maioria absoluta da população nunca assinou nada em apoio à criação da unidade. Mais grave ainda: o plano de manejo, que deveria ser elaborado antes da atuação do órgão, só foi publicado dez anos depois, em 2024.
Fica a dúvida que ecoou durante todo o encontro: como é possível aplicar multas milionárias em anos anteriores à publicação oficial do plano de manejo? Qual é a legitimidade dessas autuações?
Saí da reunião com a certeza de que a situação é muito maior do que números em papéis oficiais. O que está em jogo é a sobrevivência de comunidades inteiras que vivem em harmonia com a terra há gerações. O sertanejo não pede privilégios; pede apenas justiça, equilíbrio e o direito de continuar vivendo do que planta e cria.
Agora, todas as esperanças estão depositadas na atuação da promotora Larissa Prado, que demonstrou sensibilidade diante do drama vivido pelas famílias e sinalizou interesse em defender o povo simples, que só deseja continuar existindo dignamente no sertão mineiro.