Por Aurélio Vidal
Tenho percorrido o sertão mineiro com os olhos atentos e o coração aberto, buscando compreender de perto a realidade das nascentes, das veredas, das gentes e de seus caminhos. Estive nas lindas veredas do chamado Pantanal Mineiro, lá pelas bandas do Rio Pandeiros — joia líquida que serpenteia o Norte —, e também atravessei as regiões de São João da Ponte, Bocaiuva, Porteirinha e Buritizeiro, territórios por onde já passou Guimarães Rosa, deixando registros que ainda hoje inspiram e encantam.
O que tenho visto, vivido e escutado confirma o que já suspeitava: o Brasil não pode aceitar calado essa nova forma de colonialismo travestida de preservação ambiental. Uma preservação imposta por grandes potências que poluem sem remorso, mas que, nos eventos internacionais como as COPs, tentam transferir responsabilidades aos países do Sul global — e, no nosso caso, ao povo do sertão.
Utilizam ONGs, tratados e pressões econômicas como instrumentos de dominação, como se coubesse apenas a nós — especialmente ao sertanejo — o fardo de proteger o planeta. Ignoram que, por aqui, há muito tempo se cuida da terra com respeito, da água com devoção e da natureza com sabedoria herdada.
Tenho visto isso com meus próprios olhos. No sertão norte-mineiro, o povo já preserva. E preserva com consciência, com tradição, com o saber que vem do chão e não dos livros. Fazem isso sem propaganda, sem apoio do Estado, sem financiamentos externos. São pequenos e grandes produtores que conhecem o valor da água, respeitam as veredas, protegem as nascentes e cuidam do que é seu por direito: a terra e a vida.
Caminhando pelas comunidades do Alto Rio Pardo , testemunho a luta diária dos homens e mulheres da roça. Nas terras devolutas da região — historicamente ocupadas por famílias humildes — nascem hoje conflitos inflados por interesses externos e perseguições alimentadas por agentes que desconhecem a alma do sertão. O que deveria ser incentivo virou ameaça. O que deveria ser apoio se transformou em cerco.
As nascentes, ponto de partida da vida, precisam de proteção, sim. Mas quem tem feito isso, dia após dia, é o sertanejo. Ele cerca com arame e esperança, protege com sombra de árvore e oração, mantém a mata ciliar, segura a erosão, evita o assoreamento. As veredas, essas caixas d’água naturais do Cerrado, seguem sendo cuidadas com esforço coletivo — mesmo diante da estiagem prolongada, mesmo com o lençol freático recuando ano após ano.
Os números assustam, mas a resiliência do nosso povo é maior. Por isso eu afirmo, sem hesitar: preservar é também reconhecer quem já preserva. É dar voz a quem planta com a lua, a quem tira leite antes do sol nascer, a quem protege a vereda porque dela depende para viver.
Minha missão como jornalista e ambientalista é essa: comunicar, denunciar e valorizar. Denunciar os interesses camuflados que vêm de fora, travestidos de ajuda. E valorizar a sabedoria que brota do chão rachado do sertão, onde até na seca, floresce cuidado.
Preservar não é abrir mão da soberania. Preservar é resistir com dignidade. E aqui, no coração do Norte de Minas, resistir é o que sabemos fazer de melhor.