Por Aurélio Vidal
Voltar os olhos para Pirapora é como revisitar um capítulo decisivo da história agrícola do sertão mineiro — um capítulo que, de certa forma, também narra parte da minha própria trajetória. Ainda jovem, nos anos 1980, enquanto percorria aquelas estradas empoeiradas como mascate, testemunhei o nascimento de sonhos que brotavam da terra com a ajuda da água, da coragem e da esperança.
Foi em Pirapora que começou, em 1975, a implantação do primeiro Perímetro de Irrigação de Minas Gerais. No ano seguinte, a CODEVASF — Companhia de Desenvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba — apresentou um projeto ousado: irrigar 1.500 hectares com um moderno sistema de pressurização. Em 24 de novembro de 1978, a inauguração oficial selou o início de um novo tempo para aquela região.
Tudo começou com um grupo de 15 produtores rurais de origem japonesa, que trouxeram consigo a tradição agrícola do Japão, aliada ao apoio técnico da CODEVASF e da antiga Cooperativa Agrícola de Cotia. Aquela terra áspera e quente logo se transformou em sinônimo de produtividade, tecnologia e qualidade.
Dez anos depois, em 1987, nasceu a AUPPI — Associação dos Usuários do Perímetro Público de Irrigação de Pirapora — que até hoje é responsável pela gestão compartilhada do sistema. Em 1997 vieram as obras de modernização, seguidas por etapas de revitalização em 2006, sempre com o apoio da CODEVASF.
Este ano, voltei com minha equipe à região. Às margens da BR-365, cerca de 12 km do centro de Pirapora, encontramos um cinturão verde de 1.236 hectares, com produção voltada para os mercados nacional e internacional. São quase 40 produtores — muitos descendentes daqueles pioneiros — e mais de 1.100 trabalhadores diretos. Ali, cultivam-se melões, mangas, uvas e outras frutas que partem do sertão mineiro para o mundo.
Mas o que mais me emociona não são apenas os números. É o sentimento de continuidade. É perceber que se construiu uma cultura de convivência com o semiárido baseada em técnica, resiliência e cooperação. O Perímetro Irrigado de Pirapora é mais que uma referência em fruticultura — é um símbolo de desenvolvimento sustentável que resistiu ao tempo e fez brotar oportunidades.
E se Pirapora foi o ponto de partida, Jaíba foi o segundo grande capítulo dessa história que acompanhei de perto, ainda como mascate, quando vendia minhas mercadorias e ouvia os relatos esperançosos de quem chegava àquela terra nova. A ideia do Projeto Jaíba surgiu nos anos 60, mas foi na década de 70 que a CODEVASF iniciou a construção da infraestrutura básica: canais, estradas, canais secundários.
Foi ali, nos finais da década de 1980, que vi de perto o assentamento das primeiras famílias na região da Jaíba — ou, como chamávamos, na “Jaiaba”, como se soletrava por ali. Lembro do brilho nos olhos de agricultores que deixavam suas terras de origem para plantar um sonho novo no Norte de Minas. Homens e mulheres que, com a enxada numa mão e a esperança na outra, apostaram tudo naquela terra brava.
Hoje, tanto Pirapora quanto Jaíba são marcos da fruticultura irrigada em Minas Gerais. Frutos de políticas públicas bem pensadas, mas também da força de quem acreditou no sertão. São projetos que mudaram paisagens, transformaram destinos e provaram que o sertão também pode ser lugar de abundância.
E agora, com os pés fincados nessa trajetória e os olhos no futuro, germinamos um novo sonho. Após uma conversa inspiradora com o engenheiro Luiz Curado — servidor efetivo da Codevasf em Brasília — decidi lançar um novo projeto, mais modesto em escala, mas não menos importante em propósito. Nasceu ali a semente do “Sertão Frutificado”.
A proposta encontrou solo fértil nas terras do produtor Jorge Molon — o “Gaúcho”, como é conhecido no município de Curral de Dentro. Foi com ele que iniciamos essa nova caminhada, voltada para ampliar a cadeia produtiva da fruticultura no Alto Sertão mineiro, agora com foco na agricultura familiar.
A meta é simples e poderosa: transformar pequenas propriedades em celeiros de inovação e prosperidade, por meio da introdução de cultivos de maior valor comercial como pera, ameixa, maçã, mitilo (blueberry) e até mesmo açaí. Frutas que, até pouco tempo, pareciam incompatíveis com o nosso chão seco, mas que, com tecnologia, assistência técnica e vontade política, já começam a brotar com vigor.
Mais do que plantar frutas, o que estamos tentando cultivar é futuro. Emprego, renda, autoestima e esperança. Porque o sertanejo sabe esperar, sabe lutar — só precisa de oportunidade.
Ao celebrar os 50 anos do Perímetro Irrigado de Pirapora, honramos também os frutos de Jaíba e os brotos do Sertão Frutificado. O que começou com água e sonho, agora se espalha em raízes novas, fincadas no coração da gente que nunca deixou de acreditar no sertão.
“Coração produtivo de Pirapora, a fruticultura irrigada do Perímetro Irrigado emprega mais de 1.100 trabalhadores diretamente, sendo o quinto maior polo de geração de empregos da cidade. Com produção altamente tecnificada, abastece tanto o mercado interno quanto destinos internacionais, consolidando-se como um dos pilares da economia local.”