Por Aurélio Vidal, jornalista e pesquisador
A fruticultura brasileira, especialmente voltada à exportação, enfrenta um inimigo silencioso e persistente: a mosca-das-frutas. Esse pequeno inseto, que ataca diversas espécies frutíferas, tem se tornado uma das principais barreiras fitossanitárias à comercialização internacional de frutas “in natura”, devido às severas restrições quarentenárias impostas pelos mercados importadores.
Contudo, o problema não se limita às frutas comerciais de exportação. Ele se estende, de forma preocupante, às espécies nativas do Cerrado e da Caatinga, que hoje começam a conquistar espaço em mercados gastronômicos, cosméticos e sustentáveis. Esses frutos representam não apenas riqueza biológica, mas também identidade cultural e sobrevivência econômica de comunidades rurais do sertão norte-mineiro, onde o extrativismo ainda é uma das poucas alternativas de renda.
Nesse contexto, o umbuzeiro (Spondias tuberosa Arruda) continua sendo o grande símbolo da resistência sertaneja — árvore generosa que alimenta pessoas e animais durante as longas estiagens. Mas ele não está só. O pequizeiro, o buritizeiro, a mangabeira, o panã, a cagaiteira e o maracujá-do-mato formam uma constelação de espécies que definem o sabor, o aroma e a alma do Cerrado e da Caatinga. Todas, porém, enfrentam o mesmo risco: o avanço de pragas que ameaçam a continuidade de seus ciclos naturais.
Em tempos de seca prolongada, quando a biodiversidade se reduz drasticamente, essas árvores tornam-se alvos fáceis para a mosca-das-frutas e outros insetos como lagartas, cochonilhas, vaquinhas e até abelhas irapuás, que competem pelos escassos recursos disponíveis. A ausência de flora diversificada cria um desequilíbrio que favorece o aumento populacional desses insetos, resultando em perdas produtivas e ecológicas significativas.
Pesquisadores já constataram a presença de espécies de moscas-das-frutas associadas ao umbuzeiro e a outras frutíferas nativas, o que reforça a necessidade urgente de monitoramento sistemático e de políticas de manejo integrado de pragas voltadas especificamente para o contexto do sertão e dos biomas nativos. O risco não é apenas a redução da produção — é a ameaça à viabilidade comercial e ecológica desses frutos que carregam séculos de adaptação ao clima árido e às condições adversas do solo.
O impacto, portanto, é duplo e profundo. No campo ecológico, o ataque das moscas-das-frutas ameaça o equilíbrio natural e a regeneração das espécies nativas. No campo econômico, impede que o extrativismo sustentável e o agroextrativismo comunitário avancem como alternativas reais de renda. É justamente quando cresce o interesse por produtos com origem rastreável, sabor autêntico e valor ambiental que os frutos do sertão enfrentam seu maior desafio.
A presença da mosca-das-frutas não é apenas um problema técnico — é um alerta estratégico. Controlá-la é garantir que o sertão norte-mineiro continue produzindo vida, cultura e identidade. É assegurar que o sabor do umbu, o perfume do pequi e a doçura da mangaba possam atravessar fronteiras, levando consigo a força da terra e do povo sertanejo.
Em um mundo que clama por sustentabilidade, proteger os frutos nativos é proteger o futuro do Cerrado e da Caatinga, biomas que alimentam corpos, tradições e esperanças.
RESUMO
O que busco destacar é que, enquanto muitas instituições e ONGs se apresentam como defensoras da “preservação ambiental” e das “tradições do povo geraizeiro” — expressão, aliás, criada para fragmentar e rotular o sertanejo —, pouco se tem feito, de fato, para valorizar, capacitar e estruturar o cuidado com os produtos do Cerrado.
O discurso da sustentabilidade tem sido usado com viés político e econômico, enquanto faltam ações concretas para garantir o armazenamento, beneficiamento e escoamento dos frutos nativos. A ausência de políticas públicas e de apoio técnico real inviabiliza o desenvolvimento das comunidades rurais dos grotões, que vivem e sobrevivem do que a natureza lhes oferece.
O verdadeiro cuidado com o Cerrado e a Caatinga não está em discursos prontos, mas em ensinar o povo a proteger, manejar e valorizar seus próprios recursos naturais — garantindo que os frutos do sertão mineiro, ricos em sabor e identidade, não sejam mais vítimas da praga da omissão e da exploração política travestida de ambientalismo.




