Por Aurélio Vidal
Tenho acompanhado de perto a dura rotina do nosso povo aqui no sertão norte mineiro — homens e mulheres que insistem em trabalhar a terra, mesmo enfrentando os longos e cruéis períodos de estiagem. Quem vive essa realidade sabe que o problema da seca não se resolve com promessas sazonais nem com paliativos políticos. No entanto, mais uma vez, vemos um velho projeto ser ressuscitado em tempos de disputa eleitoral: o das cisternas.
Recentemente, veio à tona que o Ministério do Desenvolvimento Social concentrou 85% dos recursos do Programa de Cisternas em uma única entidade, a Associação Um Milhão de Cisternas para o Semiárido (P1MC). Foram R$ 640 milhões de um total de R$ 755,8 milhões destinados à iniciativa. O detalhe é que a associação é comandada por filiados históricos ao PT e subcontrata outras ONGs sem passar por um processo de seleção transparente.
A história é antiga e se repete. Essa concentração de recursos, segundo o próprio Ministério, segue um modelo de “experiência comprovada”, mas o que se vê é a manutenção de um círculo fechado de entidades que orbitam o poder. A Controladoria-Geral da União, em fiscalizações anteriores, chegou a apontar problemas em 31% das cisternas vistoriadas — algumas rachadas, outras inutilizáveis. E, mesmo assim, o programa segue sendo vendido como solução milagrosa para a seca.
Sertão norte mineiro
Aqui no Norte de Minas, a prática é a mesma que se repete há décadas no Nordeste brasileiro: projetos como esse são empurrados goela abaixo como instrumento de prospecção de votos, sempre às vésperas de eleições. A promessa da água, usada como moeda política, virou ferramenta de manipulação da esperança do povo sertanejo.
O mais acertado seria investir em obras estruturantes, que deixem um legado real de desenvolvimento hídrico e social. Falo de barragens, adutoras, sistemas de irrigação e projetos que garantam abastecimento de forma duradoura. Temos exemplos amargos de iniciativas que começaram e foram abandonadas pelo caminho, como as barragens de Berizal, Jequitaí e Congonhas. Obras essas que, se concluídas, poderiam transformar a realidade de milhares de famílias e dar dignidade a quem vive do campo.
As barragens de Berizal, Jequitaí e Congonhas seguem abandonadas — obras inacabadas que já consumiram milhões de reais sem jamais cumprir o propósito de levar água e desenvolvimento ao sertão.
Enquanto o governo anuncia bilhões em contratos para cisternas — muitas das quais sequer resistem à primeira seca —, os sertanejos continuam buscando água em cacimbas e caminhões-pipa. O que se vê é a manutenção da dependência, não a superação dela.
Eu, que há anos percorro essa região e convivo com o suor e a persistência do homem do campo, posso afirmar: o sertão não precisa de baldes d’água distribuídos por ONGs ligadas a partidos; precisa de políticas de Estado, não de projetos eleitorais.
É preciso coragem e compromisso com o futuro para romper esse ciclo. O povo do Norte de Minas e do semiárido nordestino não quer esmola nem paliativo — quer infraestrutura, respeito e investimento que transforme a seca em oportunidade.
Enquanto isso não acontecer, continuaremos assistindo a novos anúncios, novas assinaturas de convênios e velhas promessas recicladas. E o sertanejo, que segue firme, ainda espera a chegada da verdadeira água: a da responsabilidade e da gestão pública eficiente.
A barragem de Jequitaí volta à pauta com a promessa de ser retomada — provavelmente no ano que vem, em plena época de eleição. Depois, como sempre, corre o risco de ficar mais uma vez pelo caminho.




