Por Aurélio Vidal
Estive recentemente em Araçuaí, no coração do Vale do Jequitinhonha, para compreender de perto o que está acontecendo na Chapada do Lagoão. O que encontrei ali não é apenas um conflito local, mas parte de um mecanismo que tenho visto se repetir em diversas regiões do Brasil.
Na visita, conversei com moradores, famílias inteiras que há gerações sobrevivem do que a terra oferece. Escutei relatos emocionados, colhi documentos e registrei imagens. O sofrimento desse povo, conhecido como chapadeiros, é o retrato de uma luta desigual: de um lado, comunidades que preservam e defendem sua terra; do outro, um sistema político e institucional que insiste em tratá-los como invasores em seu próprio território.
A polêmica mais recente ganhou repercussão quando uma deputada estadual do PT afirmou ter sido vítima de uma “emboscada” por parte dos chapadeiros — acusação que os moradores classificam como injusta e covarde. O que vi, no entanto, foi um povo cansado de ser silenciado e criminalizado, lutando apenas para sobreviver com dignidade.
No centro desse conflito está a Área de Proteção Ambiental (APA) da Chapada do Lagoão, criada em 2007 sem critérios técnicos e sem ouvir a população. Só em 2025, após anos de luta liderada pela Associação dos Moradores e Proprietários do Entorno da Chapada do Lagoão (AMPECHAL), a delimitação foi corrigida, reduzindo a área para 10.740 hectares. Foi um passo importante, mas insuficiente: há novos projetos em tramitação para transformar a APA municipal em estadual, ampliando seus limites sem diálogo com os moradores.
Esse processo não é isolado. Ele se repete em várias partes do Brasil, sempre em regiões onde o solo é rico em minérios estratégicos. O discurso ambiental, frequentemente instrumentalizado por setores da esquerda, funciona como um véu que encobre interesses muito mais profundos: a defesa de agendas alinhadas ao capital estrangeiro, que travam o desenvolvimento local e mantêm as populações segregadas à miséria e à dependência.
É assim no Amazonas, onde comunidades tradicionais são sufocadas por restrições em nome da “preservação”, enquanto projetos de exploração mineral se articulam nos bastidores. É assim no Espírito Santo, onde áreas inteiras ficam intocáveis para os moradores, mas abertas para negociações internacionais. É assim também no Vale do São Francisco e no Alto Rio Pardo, no Norte de Minas, onde venho acompanhando o mesmo roteiro: territórios ricos, povos empobrecidos, abundância de recursos naturais e escassez de justiça social.
Na Lagoão, os chapadeiros denunciam que sempre foram eles os verdadeiros guardiões da natureza. São eles que combatem incêndios criminosos quando o poder público se omite. São eles que preservam nascentes e matas nativas não por imposição da lei, mas por consciência e tradição. O que pedem não é a expansão arbitrária da APA, mas sim investimento, plano de manejo, infraestrutura mínima e o direito de viver e produzir em paz.
O que se desenha em Araçuaí é mais uma peça de um tabuleiro maior: a política ambiental sendo usada como instrumento de controle geopolítico. Uma engrenagem que, sob o pretexto da proteção da natureza, inviabiliza o desenvolvimento regional e deixa comunidades inteiras reféns da dependência estatal.
Como jornalista, tenho percorrido esses territórios e acompanhado de perto essas “armadilhas”. A história da Lagoão é mais um alerta de que, sem transparência e respeito aos povos locais, a bandeira da preservação continuará sendo usada como ferramenta para legitimar injustiças.
O Vale do Jequitinhonha não precisa de mais correntes invisíveis. Precisa de liberdade para crescer, gerar riqueza para seu povo e garantir que os verdadeiros guardiões da terra sejam tratados com o respeito que merecem.